quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Testemunho

Vi-o partir. Contraditórias lágrimas estamparam meu peito. Não porque se foi. Pela crueldade, porém. Não me atrevo a tracejar o íntegro decurso. Nem poderia arriscar-me. A comoção se encarregaria de me roubar as minúcias. Arrastaria-me a sendas discrepantes da fiel. A mesma comoção que outrora me fez correr a vista para o remoto distante daquele bárbaro tormento de quem, agora cogitando, já não pressinto ser tratante de análogo massacre. Porventura, as legítimas e divinas autoridades se fariam corpulentas ao vassalo submisso às normas do alheio sítio. Triste sentença a que alcanço. Antes nunca que tardio.
Como por um resquício de dolo, o posseiro da crua e frígida perversão resume sua atitude a simplesmente sagrar o derradeiro ponto para aquele que, de todos, o fez sedento de desforra. Não havia cobiça em espectar o sofrer do outro. O sofrer agudo e notado com mais ímpeto no instante em que se pôs a descansar o punhal na marcada e tensionada lacuna entre duas costelas do sujeito sem muito tempo de vida. Covarde! Era sim um covarde. Diria mais: um oportunista... covarde. Sujeitou-se a desonra de atritar-se com um homem, estando este focinhado para o mesmo norte de seu algoz. Sua extinção, e apenas sua extinção ascenderia o gozo de quem, antes posseiro de angústia e revanche, executou a ação de um delituoso. De fato, era também aquele, um delituoso. Bem-aventurados os amantes do eufemismo! Pois jamais me atreveria a julgar Assassino o que decretou pena fatal a algum fulano.
Manchava-se de rubro a estaca e a visão dos sofríveis senhores. Em lar de reflexões do soberano instantivo, abrigavam-se as multicolóricas lembranças dum pretérito de distância escassa da angustiante ocasião. Na verdade, viam-se ali exclusivos matizes de feições trevas e cândidas. Digressões de uma felonia sem figurantes. A não ser o espelho, o abajur, o inquieto raio de uma vela pertinaz à pretensão da brisa que invadia, por entre a cortina cor-de-carne, o espaço censurado. Enfim, tudo aquilo que dividia o espaço entre quatro paredes com a silhueta de um casal pecador. Os capitais artistas da citada traição eram a, não mais atual, senhora do coração daquele amargurado indivíduo e seu brother como, por vezes, se pôs a referir-se do contemporâneo jovem das épocas colegiais.
Nada mais pôde fazer o suposto justiceiro. Não diante do terreno corado e decorado com um corpo já em estado cadavérico. Apressou-se, então. E seu rastro, descomplexado por impressões abandonadas no panorama homicida, julgou irrelevante sonegar. Com o ruinoso par combalido, corria apenas o júbilo pelos antros do atraiçoado. Não se deixava cogitar a respeito das severas repreensões que lhe fariam fado.
Certamente, não poderia eu lançar-me a meticulosa descrição de uma mente sádica, se por dias e dias não estivesse pregado a um brilhante plano fatal, que por sinal, concretizou-se desprovido da elegância sombreada dentro de minha caixa pensante. Profiro o que é de meu conhecimento e confesso: matei.