Intitulava-se leitor. Digo mais: era um curioso leitor. Mergulhava em jornais e revistas, não mudando de atividade até secá-los em suas totalidades informativas. Sempre leu. Desde que aprendera (é claro!) não mais parou. E, em vividos nove anos, podia declarar-se um viciado em contextos letristas. E não havia quem pudesse discordar. Implorar por livros em amigo-ocultos não é visto aos montes. Mais ainda ao se tratar em trocas de lembranças nas épocas de Páscoa. Enquanto os guris pediam barras e ovinhos, ele insistia nos gibis. O curioso é nunca ter buscado auxílio no dicionário. Talvez pela facilidade da leitura encontrada na época. Quando não conhecia certo verbete acionava os níveis de inteligência do pai. Que por sua vez, orgulhava-se da "sabedoria malandra" que a vida dadivou-lhe. Malandra?! Possivelmente por forjar semânticas torpes quando desconhecia as verídicas noções desta ou daquela palavrinha embriagada em complexidade. O menino sempre aceitava. "Meu pai é muito sabido".
Certa vez, consultou o pai sobre o sentido de "patacões". Tinha lido em um de seus diversos livros.
-Patacões?!
-É, pai. Patacões.
-Essa é difícil. Vê pelo contexto.
-Você não sabe?!
-Claro que sei.
-Duvido!
O menino tinha o dom de arrancar frases inteiras do pai, através de suas ironias diminutivas.
-Eu sei o que é.
-O que, então?
-Patacões são pontapés.
Óbvio que não sabia. Patacões não eram, nem de longe, pontapés. Tratava-se de moedas antigas e usuais em Portugal. Não para o pequeno leitor que, agora, conhecia o sentido de "patacões". Um falso significado, é bom que se diga. Mas conquistado tal como da vez em que ouviu falarem em "efígie". Ou quando leu em outros de seus rebuscados livros a palavra "lograr". Após um diálogo pra lá de esclarecedor com o pai herói, descobriu que a primeira queria dizer calça, enquanto o verbo "lograr" significava limpar. Ah! Esse pai sabido. A leitura do filho parecia-lhe mais radical a cada dia. Antes era tarefa simples explicar o sentido de mascotes, flâmulas e estigmas que iam surgindo nos textos lidos pelo garoto. Não mais! A mentira agora era a única solução encontrada para não parecer ser ausente da sapiência orgulhada pelo filho. O fato é que "lograr efígies" é, na verdade, "pintar retratos". O pai realmente não sabia o real nexo de certas palavras. De certo, é por isso que não entendeu o questionamento do menino sobre as antigas formas de pagamento, quando ouviu sua avó dizer que "cobraram trinta patacões para lograr efígies do Buarque". Ah! Esse pai sabido.
Certa vez, consultou o pai sobre o sentido de "patacões". Tinha lido em um de seus diversos livros.
-Patacões?!
-É, pai. Patacões.
-Essa é difícil. Vê pelo contexto.
-Você não sabe?!
-Claro que sei.
-Duvido!
O menino tinha o dom de arrancar frases inteiras do pai, através de suas ironias diminutivas.
-Eu sei o que é.
-O que, então?
-Patacões são pontapés.
Óbvio que não sabia. Patacões não eram, nem de longe, pontapés. Tratava-se de moedas antigas e usuais em Portugal. Não para o pequeno leitor que, agora, conhecia o sentido de "patacões". Um falso significado, é bom que se diga. Mas conquistado tal como da vez em que ouviu falarem em "efígie". Ou quando leu em outros de seus rebuscados livros a palavra "lograr". Após um diálogo pra lá de esclarecedor com o pai herói, descobriu que a primeira queria dizer calça, enquanto o verbo "lograr" significava limpar. Ah! Esse pai sabido. A leitura do filho parecia-lhe mais radical a cada dia. Antes era tarefa simples explicar o sentido de mascotes, flâmulas e estigmas que iam surgindo nos textos lidos pelo garoto. Não mais! A mentira agora era a única solução encontrada para não parecer ser ausente da sapiência orgulhada pelo filho. O fato é que "lograr efígies" é, na verdade, "pintar retratos". O pai realmente não sabia o real nexo de certas palavras. De certo, é por isso que não entendeu o questionamento do menino sobre as antigas formas de pagamento, quando ouviu sua avó dizer que "cobraram trinta patacões para lograr efígies do Buarque". Ah! Esse pai sabido.