sábado, 18 de julho de 2009

Pequeno Leitor

Intitulava-se leitor. Digo mais: era um curioso leitor. Mergulhava em jornais e revistas, não mudando de atividade até secá-los em suas totalidades informativas. Sempre leu. Desde que aprendera (é claro!) não mais parou. E, em vividos nove anos, podia declarar-se um viciado em contextos letristas. E não havia quem pudesse discordar. Implorar por livros em amigo-ocultos não é visto aos montes. Mais ainda ao se tratar em trocas de lembranças nas épocas de Páscoa. Enquanto os guris pediam barras e ovinhos, ele insistia nos gibis. O curioso é nunca ter buscado auxílio no dicionário. Talvez pela facilidade da leitura encontrada na época. Quando não conhecia certo verbete acionava os níveis de inteligência do pai. Que por sua vez, orgulhava-se da "sabedoria malandra" que a vida dadivou-lhe. Malandra?! Possivelmente por forjar semânticas torpes quando desconhecia as verídicas noções desta ou daquela palavrinha embriagada em complexidade. O menino sempre aceitava. "Meu pai é muito sabido".
Certa vez, consultou o pai sobre o sentido de "patacões". Tinha lido em um de seus diversos livros.
-Patacões?!
-É, pai. Patacões.
-Essa é difícil. Vê pelo contexto.
-Você não sabe?!
-Claro que sei.
-Duvido!
O menino tinha o dom de arrancar frases inteiras do pai, através de suas ironias diminutivas.
-Eu sei o que é.
-O que, então?
-Patacões são pontapés.
Óbvio que não sabia. Patacões não eram, nem de longe, pontapés. Tratava-se de moedas antigas e usuais em Portugal. Não para o pequeno leitor que, agora, conhecia o sentido de "patacões". Um falso significado, é bom que se diga. Mas conquistado tal como da vez em que ouviu falarem em "efígie". Ou quando leu em outros de seus rebuscados livros a palavra "lograr". Após um diálogo pra lá de esclarecedor com o pai herói, descobriu que a primeira queria dizer calça, enquanto o verbo "lograr" significava limpar. Ah! Esse pai sabido. A leitura do filho parecia-lhe mais radical a cada dia. Antes era tarefa simples explicar o sentido de mascotes, flâmulas e estigmas que iam surgindo nos textos lidos pelo garoto. Não mais! A mentira agora era a única solução encontrada para não parecer ser ausente da sapiência orgulhada pelo filho. O fato é que "lograr efígies" é, na verdade, "pintar retratos". O pai realmente não sabia o real nexo de certas palavras. De certo, é por isso que não entendeu o questionamento do menino sobre as antigas formas de pagamento, quando ouviu sua avó dizer que "cobraram trinta patacões para lograr efígies do Buarque". Ah! Esse pai sabido.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Loucura

O homem invade a arena portando sob o braço, um corpo de forma esférica. O objeto possui alguns desenhos e a arena apresenta largas e extensas listras. O sujeito não surgiu só. Junto a ele estão outros que, não sei por que diabos, trajam malhas idênticas ao que tem posse do corpo rotundo. Em mãos, trazem algumas bandeiras, que no auge de minha ignorância a nações alheias, não pude identificá-las como de nenhum país. Naquele momento, alguns dos que estavam próximos a mim puseram-se a pronunciar calões que não apresentam ares suaves a ponto de expor. Fui incapaz de entender. Os pobres homens nada tinham feito.
Atrás dos indesejados, adentram vinte outros indivíduos. Vinte ou mais: não me concentrei em contá-los. Os gritos e vaias foram tais que apenas tentava me esquivar. De repente, os rapazes se dividem. Formam-se dois grupos, que agora se deslocam para cada uma das metades da arena. O corpo esférico é posto entre as tais metades. E após um ruído estridente, paralelo a um movimento daquele que primeiro surgiu aos olhos de quem assistia, um dos vinte indivíduos que entraram no plano passou o pé sobre a redonda, fazendo-a movimentar-se em direção a um dos que estavam em sua metade.
Hora ou outra, um dos moços avulsava o corpo alvo de pontapés durante todo o tempo do esquisito procedimento análogo a um massacre sem serra elétrica. A gentalha próxima a mim algazarrava. Pelo que pude perceber a exultação só se fazia notar em momentos em que um dos, agora titulados, lutadores conseguiam, de alguma maneira, transpôr o artefato por algumas pilastras longínquas de semelhantes e opostas as de seu bando.
Não me atrevi a indagar um dos loucos espectadores sobre o que ocorria. De fato, só pude penetrar o recinto, após a perda de alguns cruzeiros e me retirei com a estranha sensação de que estive em um hospício, onde toda e qualquer atenção dirigia-se apenas para aquele corpúsculo, chamado por aqui de bola.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Dor de Saudade

Quão amena é a dor de uma saudade
Quando se teima em sangrar-se na tristeza
Das severas e impassionais punições amorosas.

Quão sofrível é o caminhar de um amante
Quando se inspira na angústia fúnebre
De noções não escassas mas fartas de saudade.

Ah! Como são tristes as saudades.
Mesmo as azuis.
Mesmo as florais.
Vagam o peito e agridem as metas
De quem encontra abrigo nos monólogos
Disfarçados em episódios de uma vida falsária.

domingo, 5 de julho de 2009

MEu Lírico

Eram apenas bons amigos. E não desde o começo. Nunca é. Há sempre um ato concretizar de amizades. Ou paixões. Amizades! Ele se apaixonou. Antes da amizade expôr-se em abraços e carícias aconchegantes. Aconchegos semelhantes aos de um colo materno no sexto mês de jornada. Aconchegos prazerosos como o saboreio de um copo d'água no Atacama. Necessários. Sim! Tornaram-se necessários os abraços da doce moça dócil.
A paixão do rapaz se escondia em sua cruel autoanálise. E não a primeira paixão envergonhada. Era apenas mais uma. Não era feio. Mas temia ser citado como exemplo de imperfeições físicas ou morais. A moça sorri. Sempre sorria. E massacrava o estar de quem assistia a sua performance junto aos lábios de amigos seus. Ele sorria. Sorriso amarelo. Sorriso falsário e pouco visível em seu semblante de amargura.
Permaneciam bons amigos. Ele sofria. Ela não sabia que o moço escrevia angústias suas sobre o par. O par de bons amigos que vivem toda a noite um romance que nunca existiu.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Sambista

Sou sambista.
Sambista de pernas longas
E disformes pra sambar.
Vou de bloco.
Vou na pista.
Sou sambista.
Nasci pra sambar.
E no embalo cambaleio
Bem no ritmo.
Apolítico.
Pierrot ao som batuque.
Não me espere
Que eu não volto.
Vou cruzando a avenida
Endiabrado.
Embriagado.
Sou sambista.
Vou sambar.